domingo, 6 de março de 2011

Dodge Charger R/T 1974

Nasci em uma cidade do interior de SP chamada Dourado e posso dizer que cresci durante o grande desenvolvimento da industria automobilística nacional. Meu pai é engenheiro  e na época trabalhava na Ford do Brasil em São Bernardo do Campo. Meu avô materno, com quem sempre tivemos muita ligação, fora prefeito de Dourado e era proprietário de uma tecelagem na mesma cidade. Neste lugar passava minhas férias com meus avós e meus pais, e foi uma época muito boa. Meu irmão nasceu em maio de 1974, um pouco mais novo do que eu.
O ambiente era propício para gostar de carros. Meu pai era fanático pelo assunto e na nossa casa sempre havia coisas legais (pelo menos para a época) na nossa garagem. Ele sempre trazia da Ford algumas novidades, como os belos Mavericks GT, além de outras coisas como as da linha Corcel. Um fato interessante era como o meu pai vestia a camisa da empresa e como venerava os produtos Ford.  Mas a participação dos carros de oval azul na nossa garagem era discreta, limitando-se a um Corcel alugado (carro da empresa cedido ao funcionário mediante aluguel mensal, trocado anualmente).

Tivemos outros carros interessantes, como uma Alfa Romeo 2300 1975. Tivemos também um Opala 3800 1971, o carro que andei pela primeira vez, ao sair do hospital de Dourado, em dezembro do mesmo ano. Era verde oliva. Tivemos Passat, Fusca, e outras coisas. Mas nenhum carro marcou tanto minha infância quanto os Dodges que meu avô teve.

É incrível como algumas passagens e como a convivência com pessoas queridas e que são levadas muito cedo do nosso mundo fazem com que muitas lembranças boas existam, mas sejam vagas. Ficam as histórias contadas por quem já era adulto na época, combinadas com as lembranças que carregamos no coração. Conto aqui uma mistura das minhas lembranças com as histórias contadas pelos meus pais.

Meu avô era um sujeito grandalhão, largo e usava no dia a dia os mesmos trajes que usava na fábrica que construiu: sapatão, calças largas e camisas de linho fora da calça. Fumava cigarros de palha e adorava jogar conversa fora com todas as pessoas que o quisessem fazer. Tinha voz grossa e fama de ser um sujeito muito bravo, mas com coração bom. Filho de imigrantes libaneses, veio de família rica, perdeu o pai cedo e ficou muito pobre em função da doença do pai, tendo que sustentar a mãe e a irmã. Conseguiu vencer a muito custo e contruiu muita coisa, para si e para a cidade de Dourado. Fez o hospital, iniciou as obras da Escola, entre outras realizações. 

Deixou bastante saudades. Eu tinha nove anos quando ele morreu.  Ainda me lembro, entre outras passagens, dele chegando com o seu Charger na entrada da nossa casa na Av Indianópolis, ouvindo suas fitas K-7 de tangos e boleros. Anos mais tarde tive a oportunidade de ouvir as mesmas fitas no meu próprio Charger R/T, mas isso conto depois. O Charger R/T do meu avô, o carro que definitivamente marcou a minha infância e a do meu irmão Otaviano, foi a grande aquisição para a nossa garagem.


Casa dos meus avós, com a fábrica ao fundo. dez/73
Eu com os amigos do meu pai, centro de Dourado
Essa casa ainda existe.



Estrada para Dourado. Ao volante da F100, meu avô.

Meu avô e seu cigarro de palha.
Minha avó, eu e o meu irmão



Tudo começou em outubro de 1973, quando ele tentou comprar um Ford LTD ou um Landau, e ficou irritado com o atendimento da concessionária, mesmo o genro trabalhando na Ford. Na época, um antigo sócio dele possuia um Dodge Dart branco e ele gostou do carro. Não sei detalhes, mas conta minha mãe que ele resolveu então ir à Ibirapuera Veículos, a meca das concessionárias Dodge na década de 1970. A Ibirapuera ficou imortalizada no filme "Roberto Carlos a 300 km/h", juntamente com os Chargers R/T 1971.

Ao chegarem lá, perguntou ao meu pai qual era o melhor daqueles que estavam na revenda, que respondeu: “É aquele vermelho. O Charger R/T.” Compraram o carro, pago a vista, e seguiram para Dourado. Claro que o vendedor desconfiou da capacidade de pagamento daquele homem de aparência tão simplória. Como um sujeito mal vestido daqueles poderia ter dinheiro para pagar aquilo tudo por um carro? Meu avô “gentilmente” ensinou-o a não julgar as pessoas pela aparência. Coitado do vendedor.

Naquele tempo em Dourado demorava para chegarem as placas e o carro seguiu viagem sem elas. O carro era da recém lançada linha 1974, para muitos um dos Chargers mais sem graça, devido às faixas discretas demais. discordo.

Na cor vermelho índio, fazia muito sucesso, era (e foi) o único Charger da cidade, pelo menos na época dele. Minha mãe conta do momento que carro despontou no portão de grades da nossa casa em Dourado, após quatro horas de estrada! Vermelho, brilhante e sem placas. Meu avô não era do tipo que avisava ou consultava alguém antes de comprar algo, então todos foram pegos de surpresa. O alvoroço foi geral, segunda ela, pouquíssimas vezes ele ficou tão feliz em comprar um carro, coisa que ele definitivamente não dava muita importância. Claro que minha avó não gostou. O que um homem de sessenta e dois anos poderia querer com um carro duas portas, esportivo e vermelho ainda por cima! “Nem vi a cor direito, estava escuro quando comprei”, disse a ela. 

Ele sempre se referia ao carro como o “R/T”. “Pegue o R/T e vá comprar pão”, pedia para minha mãe. Numa ocasião, na época da crise do petróleo, minha mãe pediu ao meu pai que fossem dar uma volta na ainda elegante rua Augusta, claro que de Charger. Este, por sua vez, respondeu que era um absurdo numa época de racionamento ficar passeando naquele carro tão gastão, pegava mal. Meu avô, sentado à mesa, jogando “paciência”, ouviu a conversa, olhou sobre os óculos e falou: “É para usar o carro e gastar gasolina! Eu trabalho é para isso mesmo e ninguém tem nada com isso!”.

Neste carro viajei dos dois aos seis anos. Ainda consigo me lembrar do couro grosso dos bancos, já trincados com pouco uso, do toca fitas Mecca e das viajens longas para Dourado. Eu e meu irmão Otaviano nos perdíamos na imensidão do banco de trás do carro. Hoje mal cabemos nos bancos da frente. O carro era a sensação! Conta minha mãe que os 300 Km até Dourado eram percorridos com muito conforto e estilo, sem nenhum carro crescer no retrovisor.

Nota fiscal do R/T.


Minha mãe e o Charger zero

Meu aniversário de dois anos. dez/73

viajem no carro nacional mais bonito!

Estrada para Dourado, começo de 1974

Meu avô ficou com este R/T até novembro de 1978. Minha avó falecera alguns meses antes, fato que o abalou muito. Uma das maneiras de se alegrar ou de atenuar a perda foi trocar o carro. Não sei quem deu a ele um catálogo da linha 1979, mas ele se encantou com o recém lançado Magnum e resolveu que seria o seu próximo Dodge. 

Nunca encontrei esse R/T. Tenho o número do chassis dele, mas aparentemente não foi licenciado no sistema de placas cinzas. Procuro este carro até hoje, sempre que aparece um R/T do ano pergunto ao dono o seu Serial Number. Quem sabe não aparece? Mesmo com a destruição dos Dodges nos anos 80, quem sabe não está escondido em alguma garagem por ai? 

Em 2009 apareci de surpresa na casa dos meus pais com um carro idêntico. Esse carro pertence ao meu amigo Marcelo e na época ficava sob os cuidados do Carlão. Ambos são amigos que conheci através do hobby de colecionar carros. Aliás, fiz muitos bons amigos através do antigomobilismo. A emoção foi grande para os dois, principalmente para minha mãe. 

Tenho poucas fotos do original, mas essa visita inesperada está registrada em várias fotos. Agradeço muito ao Carlão por essa gentileza. 

Minha mãe, emocionada ao reencontrar o carro, 30 anos depois.
Na garagem que guardou os Dodges nos anos 70.
Meus pais e o Charger índio. 
Nos anos 70 eu ainda não tinha altura para ver o carro deste ângulo.

Meu pai admirando o carro que ele dirigiu zero.



Eu, manobrando o carro. Em frente ao IMI, ponto de encontro de Dodges e Galaxies.


Abraços!

Vital

5 comentários:

  1. Luis, parabéns pela iniciativa do blog.
    No mais, que nota fiscal é essa ????
    Que maravilha, nunca tinha visto uma nota fiscal da Ibirapuera Veículos, a mãe dos meus 2 Darts.
    E o Charger do Marcelo, um espetáculo !!!!
    Abs
    Pier

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  2. Pier, essa nota é a de compra do R/T do meu avô, gêmeo do carro do Marcelo, porém do milhar 59 mil, enquanto que o do Marcelo já é bem mais alto. Eu achei essas notas em 2003, acredita? Já fazia 23 anos que meu avô tinha partido. Tenho também as do Magnum dele, e as de uma DKW, que foi o primeiro carro que ele comprou. Não tenho os carros, mas as notas ficaram, rsss...

    Não sabia que seus carros eram da Ibirapuera. Se bobear, o azul estava lá na época das filmagens do Roberto, kkkkk !

    abraços!

    Vital

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  3. Pier:

    Outra coisa em comum nos nossos carros: COSTA & DECCANI !!!!

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  4. O que dizer de tudo isso ??
    SENSACIONAL !!
    Saudades do meu R/T 73 Índio...

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  5. R/T vermelho é muito bacana! 73 ainda... abraços!

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